sábado, 15 de janeiro de 2011

Selfish


Sou um assassino. Minha saliva é pobre em ph, minha vida é roteiro de Stephen King. Ele morreria se soubesse o que eu ando fazendo. Frio e calculista, todos os dias são sexta-feira treze para mim. É meu dever ver o sofrimento das pessoas, e mesmo assim, sentir-me vivo. Realizado, porque a causa é aquela que eu mais gosto e admiro.
Se ela morreu envenenada com um perfume, eu jamais deixaria de comprá-lo, eu o colecionaria.

Mente doentia, sutileza perdida, nada fantasiosa. Está tudo real, tão real que meus sonhos parecem ter desistido de invadirem minha cabeça. Posso controlar a dor que deveria estar sentindo, não sinto. As lágrimas que poderia estar derrubando, não choro. O amor que tenho pela fúria? Preservo.
Não sou culpado, fui vítima do amor. Esse sentimento que possuí triplas camadas de péssimas intenções

Meu café amargo é tão amante de meus lábios, que mesmo quando os queima, sinto-me em êxtase.
Embriaguei-me da angústia, meu cheiro é de cachorro molhado em dias de tempestade.
Tenho pulgas de preocupações, e muitas delas estão quebrando minha cabeça.
O anoitecer nunca deixará de ser o que venero, enquanto é pavor para quem não pode dormir.
Eu posso dormir, usufruindo de toda a minha luxúria em forma de sobrenome.
O que você tem hoje para mim? Decotes? Batom provocante? Cabelos molhados?
Essa água que me instiga tanto...

Desculpe, querida. Estou esquecendo de você, mas é que a outra sabe o que fazer. Pode ir embora hoje, vou aproveitar as visitas, quem sabe ela resolva morar comigo.
Não adianta usar esse truque, orbes molhadas não vão me excitar.
Ela já foi? Você não vai parar, vai? Continue, baby. Você sabe que se continuar, irá me deixar exausto de satisfação.

O ápice não é o bastante, sabemos disso. Ouvi dizer que as pessoas te maltrataram, falaram que és tão maldita que acabou com a vida delas. Não ligue! Se está aqui, é porque me ama, não? Ah, eu a amo. Farei qualquer coisa por você, para vê-la sorrir todos os dias. Estou adormecendo mais fácil com você aqui, fique para sempre.

Quem se importa se está chovendo sangue?

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Dance like an angel

Nunca fora receptora da frase: “muito bela”. Seus encantos eram outros, distintos daquilo que a maioria procurava. Dançava como o balançar do vinho livre pela taça.
A sutileza em suas sapatilhas faziam-na esquecer dos ferimentos freqüentes que possuía. Todos adquiridos com esforço, como se fosse medalhas por seu desempenho. Respirava por movimentos, e quando os realizava sentia-se completa.

─ Você é uma masoquista, sabia? Há artes que não acabam com seus pés

Ela sorriu, olhando bolhas de dor e trabalho que ganhara diariamente.

─ Não preciso ser um pássaro bonito se souber voar, e eu sei.

O Dr. Eduardo virou de costas, de volta à sua mesa de trabalho, escondendo um sorriso que queria contornar seus lábios.

─ Semana que vem quero ver essa pele renovada, pode ser?

─ Isso quer dizer uma pausa dos treinos?

─ Certamente...

─ Sabe que não farei.

─ Nunca tive uma paciente tão teimosa, por que vem me visitar?

─ Porque minha mãe me obriga, sei que ela gasta dinheiro comigo, então devo agradá-la.

─ Ela se preocupa com a sua saúde, e eu também.

Sabia que era verdade, que médico iria querer ver uma paciente ruim? Nenhum! Mas se os pés dela fossem retrato de seu talento na medicina, seria expulso do conselho, sem dúvida alguma.

─ Nos vemos.

Por algum motivo, sua voz parecia distante. Não gostaria de voltar ao consultório, mas por que será que sentiu uma emoção estranha ao passar pela porta? Pensou em voltar, mas aquele não era o momento certo. Ele era um dermatologista, e não psicólogo.

Fora sincera demais? Talvez, era o seu defeito mais notável. Não sabia mentir, e também não fazia questão de agradar as pessoas com falsos elogios, ele era sincero. Então por que não fazer o mesmo? Suspirou, virando duas esquinas para chegar em seu destino.
Sua casa ficava tão próxima ao consultório, que acreditava que a mãe havia escolhido aquele lugar por causa disso. Precaução. Nunca entendera, sua saúde não era de ferro, mas o máximo que pegava era um resfriado anual e olhe lá!

─ E então? Como foi?

Mal acabara de entrar, e já fora surpreendida com perguntas. Era tão estranho a maneira que a mãe se preocupava, quase doentia.

─ O de sempre, menos treino e mais medalhas perdidas.

─ Querida, seria bom se você desse uma trégua, o doutor tem razão.

─ Não, não tem. Eu vou para o treino.

─ Está ameaçando chover.

─ Se chover, tudo bem. Posso treinar “singing in the rain” como passatempo, até mais!

Passou pela porta da sala, e aquela sensação ruim voltou. Não era uma garota medrosa, mas aquilo estava começando a assustá-la, por que acontecera duas vezes seguidas e no mesmo dia? A única coisa que fez foi fechar a porta atrás de si, seriam coisas de sua coisa, estava cansada. Sabia disso, mas preferia esconder para não dar motivos por faltas.

Duas horas eram poucas para seus passos sincronizados, ela era a silhueta viva de uma estrela cadente. Rápida e precisa, contornava o ambiente como fragrância doce, recém jogada nas paredes brancas.
Com três horas sentou-se no centro do palco, olhando para os assentos de uma platéia vazia. Nunca gostara de ver aquelas cadeiras sendo ocupadas pelo ar, alguém tinha que ver o seu talento, a sua alma.

Colocou a mão dentro da mochila, retirando de lá uma caixinha de música. Era preta, entalhada de madeira com alguns contornos em relevo. Dentro, um casal de bailarinos.
Abriu-a, ouvindo a doce canção que sempre escutava antes de dormir.
Quando os bailarinos pararam de dançar, fechou-a. Voltando a colocá-la dentro da mochila, porém, esqueceu-se de fechar o zíper.
Trocou-se no camarim, como uma estrela... Sentia-se assim. Começou a descer as escadas que a levariam ao térreo, desceu rápido demais...

Um aperto forte no peito a fez parar, fechou os olhos, e mesmo que não o fizesse, seria inevitável enxergar a escuridão que a engoliu. Rolou pelo restante dos degraus, quando parou, a canção de ninar da caixinha a sua frente soou.
A textura nada delicada junto da temperatura fria do chão de mármore só a faziam ter certeza que estava começando a viajar.

Um mundo branco, roupas, paredes, lençóis e um leito. Abriu os olhos, recebendo um abraço de uma mãe desesperada. Finalmente havia acordado, seu peito ainda doía pelas descargas elétricas que recebera.
As vozes ainda estavam distantes. 

O relógio não para nunca..

Estava no palco, balançando como as penas de uma ave após receber a brisa agradável das tardes de verão, exceto por seus pés não estarem no chão, e sim pelos ares. As bailarinas do coral passavam tão perto dela, que pareciam não vê-la. Atravessaram-na, e ela era um pico de fumaça prateada, depois voltava ao estado normal. Na platéia não viu a mãe e nem o pai, os lugares estavam ocupados apenas por duas sapatilhas.

Tudo poderia ter sido diferente, se no momento em que abriu os olhos, não fosse o último que veria o mundo.