sábado, 22 de janeiro de 2011

Take a wash


Eu costumava fazer algo todos os dias, e não me refiro às brincadeiras de rua que adorava na infância. Falo das vezes que a sujeira entrava em mim, e que por desejo de meus pais, ela teria de sair.
Um banho... Oh, como era chato tomar banho. Que perda de tempo, pensei durante vários anos. Vários? Todos! O sol veio e foi embora centenas de vezes, e eu ainda odiava aquele maldito chuveiro.

 Depois me acostumei, afinal de contas, acabei crescendo. Não sou como os desenhos que permanecem intactos, não envelhecem, e quando isso acontece, sempre há uma fonte da juventude para fazer tudo ser como era antes. Eu não tenho uma fonte como essa, gostaria tanto... Fazer algo diferente, retribuir o que deveria. Mas o que me resta é conviver com tudo isso. Pelo menos é o que eu esperava até meus vinte anos.

─ Vocês têm certeza?

─ Sim, você merece. Acabou de se formar, seu emprego está ótimo, precisa relaxar. Tire essas férias, conheça alguns lugares.

Abracei essa oportunidade, quem recusaria um transatlântico saindo de um país e indo para o outro? Acho insano só de pensar nessa possibilidade.

─ Ok! Mandarei fotos. Eu prometo, venham cá!

Tinha a melhor família do mundo, e eu sabia disso.

As gaivotas voavam e em segundos eu soube que não eram gaivotas, e sim cisnes. Tão brancos quanto à paz que aquele lugar poderia me dar. A beleza de um cisne só poderia ser comparada ao sorriso sincero de um amante apaixonado fazendo sua arte ter vida.
Voaram com mais velocidade quando os motores foram ligados. Era mais admirável ter cisnes a sua volta do que nuvens. As nuvens podem ser fofas, mas você jamais poderá tocar em uma, mesmo que seu coração chore por tal ato.

O vento era tão refrescante que senti frio, muitos homens ao meu lado davam seus casacos para as moças, por egoísmo senti felicidade por não ter de fazer aquilo.
A única imagem feminina que tinha em minha frente era a de uma cadela de um senhor que dormia em sua cadeira.

O brilho do horizonte inspirou-me a desenhar, foi o que fiz. Comecei a traçar linhas leves, tão leves que mal podia enxergar. Alguma forma havia chamado minha atenção. Aquela régua natural, dividida com as mais belas cores do universo, cores de íris jamais vistas no mundo. Olhos de anjos, curvas superiores as estradas mais alucinantes que poderiam existir. Um retrato fiel ao por do sol.

─ Belo rascunho.

Olhei para o lado, notando um homem. Era um pouco mais alto que eu. Em sua cintura? O brilho da morte certa.

─ Eu não tenho nada aqui comigo, só na cabine. Podemos ir lá...

─ Eu não quero nada seu, vou ter bastante. É o seguinte, não quero ficar de papo furado com você. Eu vou seqüestrar esse navio, tenho contas a acertar com o capitão, não sei o que pode acontecer com os passageiros e não é da minha conta, meu pessoal não costuma poupar ninguém.

Absorvi cada palavra, esperando que a minha agonia fosse dilacerada com uma bala de prata cheia de ódio, pronta para me acertar. Ele então continuou.

─ Minha irmã era pintora, era capaz de pintar os segredos de uma pessoa vendo-a por minutos. Não posso matar alguém que se pareça com ela, eu quero que você pule.

─ O quê?

─ Você me ouviu, pule do navio agora, mas não fale nada. Nunca tivemos essa conversa, entendido?

─ O que vai acontecer com todas as pessoas?

O homem de aparência psicótica olhou-me com um sorriso demoníaco nos lábios. Lábios infelizes que curvavam para demonstrar o seu poder de persuasão.

─ Irão morrer.

Eu não poderia fazer isso, deixar tudo para trás só porque aquele homem insano acha que sou a irmã dele de alguma maneira. Abri a boca para protestar, mas som algum saiu.
O tempo que tive consciente foi de dor e queimação, meus olhos arderam, meus ossos trincaram. Vários deles, eu pude sentir. Leucócitos trabalhando em conjunto, deveria ser uma fratura...

Tempestade... Flutuei em uma banheira gigantesca onde o sal era meu pior inimigo. Tanto gosto que minha garganta queimava como a saliva de um doente em estado crítico.
Sorte ou pena? O perigo raspou em minhas costas, presas roçaram em minha pele, mas nada me aconteceu.

Quando abri os olhos e vi por inteiro aquele quarto branco, soube que quase morrera.
Mas eu não me lembrava de nada, o que aconteceu?

─ Você sobreviveu a uma explosão. O navio explodiu, mas você estava admirando o horizonte, e com o impacto caiu no mar. Quebrou duas costelas com a queda.

─ Quebrei com a queda? Estranho, lembro-me de sentir dor antes de cair...

“Picos de memória são normais, mas não reais” Foi o que a enfermeira disse.

Doce verdade? Fria mentira? O que é mais torturante do que passar seis anos sem saber como sobrevivera? Sem testemunhas? Ninguém?

Nenhuma seqüela física, por sorte. Os médicos acharam que tudo estava resolvido até eu encarar meu monstro particular. Furos... Agulhas no lugar de água, o chão que sangrava. As paredes que me prensavam.
Como uma câmara de tortura, cabine telefônica disfarçada casualmente.

Não posso encarar o quão ridículo soa isso. Quero tomar um banho de justiça, de felicidade, de lembranças melhores, de aves encantadoras.

Quero me livrar dos medos, da dor, da burocracia e do acerto de contas.



“Eu quero tomar um banho especial.
                 Que a água seja prateada, e as bolhas ousadas.
                                                  Numa fórmula maternal, exemplo de superação pessoal...”

4 comentários:

  1. Facil facil vira um curta =]
    showww
    bjuu

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Talentosa , criativa , Meiga , e gosta de um café !.. Virei teu grupie hahaha : )

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  4. good old england... a nice place to die well.

    não sou bernstein, nem da vinci, nem cohen, mas sou um dos leonardos, já que perguntou. até que não estou tão mal acompanhado assim, pelo visto.

    passe lá em casa mais vezes, querida. e, se não fores ao vietnam, como fazem os bons ingleses nas férias, venha a santa teresa participar da implementação da nova ordem local no rio de janeiro. soltaremos fogos juntos. beijo.

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