sábado, 21 de dezembro de 2013

Would you send me a letter every year?

Há algumas datas que os seres humanos decidem riscar de seu calendário pessoal. Colocam tais datas na categoria trinta de fevereiro. Dias inexistentes que não servem para nada, que não serão somados naquela retrospectiva idiota de final de ano. Alguns dos dias que riscam geralmente estão no patamar de datas indesejadas. Riscar dias de falecimentos de parentes, de aniversários de quem nos magoou muito, ( Riscara o de Yoko por alguns anos) riscar datas comemorativas como o Natal e o Ano novo. Mas não o levem a mal. Santa Klaus também gostava de sua banda, ou deveria. Acabou riscando finais de ano por Linda, ela detestava a matança em massa que o dia de Ação de Graças, o Natal e o Ano novo proporcionava para os animais.

Acabou pensando tudo isso enquanto a água quente descia do chuveiro, o banheiro todo possuía um aspecto de sauna. Quente feito aquelas viagens que George adorava fazer até a Índia. Viajar com os elefantes tinha seu preço, afinal. Mas ele não ligava, era como terapia. E se George estava feliz, Paul também estava. Após se despedir das últimas gotículas de água quente que tocaram sua pele, desligou o chuveiro, se enrolando na toalha da cintura para baixo. Pisou no tapete anti derrapante, (quando os ossos já não colam com tanta facilidade, é sinal de que devemos nos cuidar mais. É por esse maldito tapete que ele sabe que o tempo não para de correr) secando os cabelos rebeldes que teimavam em cair molhados em seu rosto. O espelho do armário a sua frente estava embaçado, coisa que o fez lembrar de alguns filmes que vira semana passada em que um grande assassino seria refletido assim que alguém passasse a mão sobre ele.  Porém, decidiu abri-lo antes e escovar os dentes. Depois de terminar e finalmente fechar a porta, seus olhos focaram-se perplexos diante do espelho.

Não havia nenhum assassino refletido, sequer havia desembaçado a superfície. O que estava contemplando era algumas palavras escritas a dedo. Como nos dias em que escrevemos palavras e desenhos nas janelas de carros em dias de chuva. Ali estava a letra a mão de John, com um humor que só ele tinha.

"Piso anti derrapante? Você está velho, meu amigo"

Não respondeu de imediato, não tinha como. Sentia a visão embaçada, mas sabia que aquilo era um sintoma e não mera contemplação daquela sauna, o vapor já havia se dissipado muito. Fechou os olhos e buscou na memória que dia seria aquele. Estavam em outubro... sabia, pois no dia primeiro cancelara uma aparição em algum programa que agora não se lembrara. Sempre seria difícil viver trinta e um dias de agonia. Novembro pelo menos era um mês de calmaria para sua sanidade mental. Que detestável eram aqueles dias em que não podia se trancar em um estúdio e tocar Here today por pelo menos vinte e quatro horas sem pausa. Lembrou-se de Ringo xingando ao final de Revolution, ele deveria saber a sensação de tocar algo por vezes seguidas. Mas a única diferença era que Ringo tocara por necessidade, e Paul por tristeza e saudade.

 Antes que tua derme encostasse no vidro prateado, outras palavras se formaram, um pouco menores que as outras. Deveria escrever grande na primeira vez para que não passassem despercebidas, afinal de contas ninguém espera esse tipo de conversa a menos que se tenha muita imaginação.

"Gosto desse dia porque é quando você toca de forma pura. Eu estarei cantando com você ao lado do piano. Sabe de que lado... "


Apressou-se em se trocar, saindo do banheiro as pressas. Ainda com o cabelo pingando, sentou-se em um banquinho, deixando espaço para que John se sentasse. Teclou as primeiras notas, tendo a certeza de que o vento da janela possuía uma voz singular, a voz dele....



sábado, 24 de agosto de 2013

Ofélia

A água incolor que saia dos buracos do chuveiro grande e prateado que lhe caía pelos ombros tinha um único destino: o ralo. E ao chegar nele, havia adquirido um tom negro. Seu corpo parecia estar banhado em petróleo, mas tudo o que a cercava por dentro não tinha nenhuma ligação com fortuna. Muito pelo contrário, a palavra miserável era tão gritante em sua mente que ela a murmurou por várias vezes de forma silenciosa, mas de um modo que ela pudesse ouvir e saber que alguma coisa estava sendo colocada para fora além do peso de si mesma.
Observou a prateleira de cosméticos que usava nos cabelos, no canto reluzia uma gilete prateada. Por uma fração de segundos ela pensou... E suas unhas fizeram um corte imaginável em seu pulso. Primeiro no direito, depois no esquerdo. A espuma em seus braços ao seu ver deveria ter sido manchada por vermelho, mas ainda continuava branca. Com os olhos fixos na lâmina, ela se cortava mentalmente.

Quando desligou o chuveiro e se enrolou em uma toalha preta, abriu a porta do box e se olhou no espelho. Atrás ela havia um homem muito alto, com o cabelo preto e pele branquíssima. Ela pensou em gritar, pela mesma fração de segundos que havia pensado ao observar a lâmina no canto da prateleira. Mas dentro de si, sabia que o seu desejo de não ser nada poderia ser atendido.
Virou de frente para ele, que balançava a cabeça de forma negativa.

─ O que é?
─ Eu não posso matar você.
─ Você lê pensamentos?
─ Não... Mas o seu desejo é bem nítido.
─ De onde você veio?
─ Não vai adiantar eu te explicar, você é cética demais.
─ Hm... ok, senhor Deus.
─ Eu não sou Deus.
─ O que você é?
─ Eu sou um gênio.
─ Que arrogante.
─ Não esse tipo de gênio, o outro tipo.
─ Aquele que sai da lâmpada?
─ É.
─ E onde está a porra da tua lâmpada?
─ Não usamos mais faz tempo. 
─ Então não é gênio de lâmpada.
─ Sou.
─ Tá, tanto faz.
─ Você tem três desejos.
─ Por que diabos você veio?
─ Porque você está muito frágil. Está triste. E não é para ficar. Amanhã é um dia muito especial.
─ A puta que te pariu que é.
─ Não seja grossa, minha menina.
─ Eu não sou sua menina.
─ Você está muito triste. Ouve músicas tristes, assiste filmes tristes, lê coisas tristes, observa fotografias tristes. Você está ficando cada vez pior.
─ Se você estivesse em meu lugar, saberia o motivo.
─ Eu sei.
─ Você pode arrumar a minha vida?
─ Não.
─ Hm... você pode me deixar em coma?
─ Em coma?
─ É.
─ Eu não posso fazer mal a ser humano algum.
─ Não irá fazer mal, apenas me deixará em coma.
─ Te deixando em coma não lhe fará bem.
─ Ah, fará...
─ O que planeja?
─ Me atropele.
─ Eu não posso.
─ Caralho, não sabe dirigir?
─ Sei...
─ Não tapetes, carros.
─ Também sei.
─ Então qual é o problema?
─ O problema é que quando você acordar, será muito pior.
─ Tem razão...
─ Você não quer outra coisa? Livros, coisas materiais?
─ Não... Você pode me dar uma máquina do tempo?
─ Não posso te levar para outra dimensão.
─ Mas que caralho de gênio você é?
─ Menina... eu simplesmente não posso. Eu queria, mas não posso.
─ Você é meu anjo da guarda?
─ Não, eu já disse. Eu sou um gênio.
─ Você... pode trazer uma pessoa morta de volta?
─ Não posso. E sei quem gostaria que eu trouxesse. 
─ Eu não quero nada. Por que as pessoas insistem em querer me dar alguma coisa que eu não quero? É tão simples. Eu NÃO QUERO NADA!
─ Menina...

Ela pensou por alguns minutos. Eram muito escassos os desejos. Não poderia morrer, não poderia ver os mortos, não poderia voltar ao passado para salvar algumas pessoas de destinos terríveis. O que ela poderia querer? Ela não poderia... morrer.

─ Me apague.
─ Como?
─ Me apague da memória de quem me faz mal.
─ Mas... são muitas pessoas, menina.
─ Por que acha que você veio? Acha que eu estou chateada por que existe um homem que não quer ficar comigo? Me apague.
─ Mas...
─ Me tire deles.
─ E os outros que estão ligados a ti e que nunca te fizeram mal?
─ Me apague da memória deles também. 
─ E seus amigos?
─ Deixe como está. Um deles vai entender. Ele sempre entende.
─ E o que você vai fazer sozinha?
─ Eu serei livre.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Metaphor and the hill


E se de repente eu inventasse uma cor que representasse
os seus olhos quando acordaste a primeira vez em toda a vida?
Talvez a partir dessa, outra cor de formaria com o teu despertar
durante todas as manhãs.

Seria minha imaginação tão fértil a ponto de criar uma textura
idêntica a tua derme?
Minhas narinas já me enganaram quando foram até as
montanhas e confundiram seu perfume com as araucárias.

Em aulas de botânica, poderia sentir todos os cheiros ao
vê-las ilustradas em fotografias minimizadas.
Pena que não posso engarrafar tal essência alucinógena.

Queria ter uma caneta tinteiro para tatuar a sua pele
por algumas semanas, borrar alguns desenhos por dentro,
dos quais você pudesse ver quando sentisse minha falta.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Lábios não habilitados

A graciosidade era, de fato cômica,
mas nenhum músculo facial moveu-se.
Permaneceram inertes, oblíquos
e sorrateiros.

Observaram os terceiros rirem,
eles pareciam naturais a situação,
como se o que quer que fosse dito,
teria sido a forma física de humor.

E diante dos risonhos, permaneceram
com linhas finas, desfilando a falta de expressão
que tanto os fascinava nos quadros.
Teria perdido o mundo em algum trem com
hora marcada?

E riram novamente, tão naturais quanto a
primeira vez.
Os lábios não entendiam, tentavam...
Mas a falha em sua analogia era tanta
que ao contrário de todos, não sentiam.

Nem um resquício de sensação,
paredes incolores, nada em um
baú de vazios e vento.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

I've tried to not lose you

Eu tentei não deixar a água da chaleira evaporar quando ela já havia atingido cem graus.
Tentei não deixar o café esfriar quando o segurava em uma caneca no Alasca.
Tentei não deixar que o arroz queimasse quando as crianças estavam famintas na África.
Tentei não deixar que o retrato caísse quando Newton mostrou a gravidade.
Tentei não deixar que o açúcar se misturasse quando ele pulou na minha bebida.
Tentei não manchar a tela em branco quando a tinta já havia secado.
Tentei terminar de ler um livro quando a página do último capítulo fora arrancada.
Tentei não assistir ao filme quando os créditos já haviam subido.
Tentei não te perder quando você já havia partido.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Deteriorando

E me conhece tão bem a ponto de saber quando estarei pronta para pedir socorro, como quem espera até o último segundo para gritar quando tem a sua janela invadida por alguém ruim.
Por favor, honey. Não me deixe morrer essa noite.
Sou um galho seco que não quer abandonar a sua árvore.
Sou o último gole de leite que não quer sair dessa garrafa porque está confortável aqui dentro.
Sou um giz de lousa colorido, entre todos os brancos, que fora rabiscado tantas vezes.
Sou a última pétala de um trevo que um dia já deu sorte.
Sou mero pelo de pincel que já traçou telas e paisagens um dia.
Sou a última estrofe desse livro de trezentas e quarenta e três páginas
que você lê pela quinta vez.
Sou eu, a que teme pelo abandono, mas anseia pela vontade e o medo de ser livre.

sábado, 29 de junho de 2013

Take this DNA out

Ele havia deixado que sua mente andasse adiante, quando a realidade é que a sua idade havia parado no caminho. O triste fato é que uma nunca mais encontraria a outra, pois quanto mais a idade avança, mais a sua mente corre contra o caminho da imaturidade.

Diariamente suas mãos iam de encontro com a expressão de seu rosto, deformando-o, ao escorrer com dedos fortes em pressão, dos olhos até o pescoço. Numa tentativa frustrada de arrancar os próprios olhos porque não queria ver e de se sufocar no pescoço em um nó imaginário porque não queria mais viver.
O DNA podre havia pulado o seu organismo, infelicidade ou não, ele poderia sair para beber se todos fossem massacrados como num filme de terror em um cenário sujo do Texas.

Seu pai sabia como ser surpreendentemente cruel, embora pensasse que o conhecia e que todas as maldades já haviam sido feitas, ele conseguia se superar em determinado momento com novas humilhações ou outros desaforos.
Sua garganta era como um pantanal, engolia anfíbios a todo instante sem deixá-los escapar. Às vezes, diante do espelho, folheava um dicionário velho (e tão miserável quanto sua existência) a procura de palavras que pudessem descrever o que sentia. E a cada palavra encontrada, ela era riscada.
Certo dia, não pode mais encontrar palavras, metade de um dicionário riscado é inútil. E mesmo que os rabiscos sejam feitos a lápis, o papel não volta a ser o mesmo após as carícias de uma borracha da terceira série que nunca terminava.

Nas noites andava em círculos em seu quarto, ou então se deitava no chão porque a cama era o lugar mais correto para dormir. E de lugares corretos, estava farto.
Na cozinha, com os pés sobre o corredor frio, abriu a gaveta e contemplou o seu reflexo em uma faca de cabo comprido. O reflexo de si mesmo implorava por um banho de hemoglobina própria, era tentador.
Atirar a faca contra o próprio peito teriam vários significados. Cessaria as contrações cardíacas involuntárias, um meio de mandar na própria vida.
Por mais dor que sentisse a todo instante, a dor física não o deixou satisfeito. Nem na possibilidade de pensar que poderia sobreviver, e a dor de relatar o que o motivou a fazer aquilo o irritava.

Não queria dar mais explicações do que fazia, quem encontrava, com quem sonhava, quantas vezes espirrava.
Se fosse internado em uma clínica com o diagnóstico de insanidade, seria o fato mais cômico de sua vida. Ele era a lucidez na casa dos loucos e desalmados. Se tinha motivos para ficar preso em um lugar longe de tudo aquilo, não era por falta de lucidez, mas sim pelo excesso da mesma.

A porta que o felicitava com a sacada parecia como o paraíso. As luzes dos prédios altos faziam-no imaginar pessoas inexistentes, residentes de suas fantasias alucinógenas.
O simples fato de tentar tocar as suas fantasias foi o combustível que precisava. Ele não tinha uma arma para usar contra si mesmo, o que precisava era transformar o próprio corpo em uma.


Que utilidade teria seu esqueleto além de sustentar músculos, tecidos e cartilagem? A queda parcial pôde dizer quando ele se jogou.


segunda-feira, 24 de junho de 2013

Royalty

Nessa chuva tão latente eu vejo as moças correrem.
Elas estão preocupadas em voltar do horário de almoço
para o trabalho com o cabelo bagunçado, da maneira natural
que ele é sem adereços térmicos.
Eu também vi um moço alto passar protegendo a sua pasta
com documentos mais importantes que sua saúde,
afinal de contas sua camisa branca já estava colada em seu corpo
que pegaria um resfriado naquele instante.
Eu vi senhoras correndo e quase caindo, pobrezinhas.
Elas queriam chegar mais cedo em casa para fazer aquela sopa
quente que o marido e os netos gostam.
A chuva estava muito fria e um tanto forte.
Quem tinha guarda chuva era considerado burguês.
Então viramos burgueses assim de repente, eu e meu amigo mais alto.
Até porque ele sempre terá um lugar em meu grande guarda chuva desenhado
de xadrez e vermelho.
Nos achavam burgueses e realmente éramos.
Mas havia um detalhe importante na questão:
Somos burgueses por amor, a chuva é a revolução,
lutamos contra ela, mas no fim... sempre dividiremos
nossos guarda chuvas.



Para o meu melhor amigo Lucas Miquelon.

sábado, 8 de junho de 2013

Sound of man



Sonetos vem e vão,
como chuva de verão que molha
a roupa no varal.

Falam sem dizer nada, mostram que
o sonar é um ato de amor e dor ao
mesmo tempo.

O soneto entra pela janela e me visita,
certa noite pediu para ficar, como recusar
o pedido de um soneto que pede
em forma de cantar?

Na madrugada insana, o soneto
fez poesia, disse coisas loucas e
deitou em minha cama, sonou e
sonou até me ouvir sonhar.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Smiling sheep


A gentileza na conquista
que leva encanto,
é pura invenção do teu silêncio.

E as ladies faz do pranto
rotina de um lenço sujo de cimento
que não seca com o vento sem
se despedaçar.

Se nos dentes vem com sorrisos,
já começa o martírio só de imaginar.
Que no bolso tens um canivete junto
a rosa que está pronta para entregar.

Talvez ninguém repare, mas esses olhos
são líderes de matilhas que dilaceram
as feridas causadas nessa vida de
prazeres e lividez.

Mas se és bandido em pele de mocinho,
E se teu cavalo e tua espada apenas matam
por diversão, não sei se é para ter cuidado,
mas de qualquer maneira não existe
um contrato para saber quem é
bom ou vilão. 


Ovelha sorridente ─ Inspirada no sorriso de Alexandre Kumpinski no clipe "Despirocar" 

terça-feira, 7 de maio de 2013

Paul McCartney


Ah... se nessa esquina eu o encontrasse,
e falasse de mil coisas sem dizer nada.
Talvez fosse possível que não o amasse tanto,
e não decorasse minhas paredes com suas
poesias.
Quero o abraçar sem nunca mais soltar,
admitindo que é impossível não o amar,
e quem sabe se um dia tocar,
doces acordes a sonar.

domingo, 21 de abril de 2013

Give up, you're an idiot



Onde estão as pessoas que carregavam cartazes nas ruas e proclamavam por alguma coisa que realmente valesse a pena?

Cadê a leveza dos passos de uma geração curiosa que quer ler mais, ouvir mais, saber mais e compreender mais?

Por onde anda o medo de perder algum vínculo com as pessoas queridas, seja por fraqueza ou por simples estupidez? 

Desaparecera os bons tempos em que toque era toque e não mero acaso de affair?

Seria conveniente nos exaltar por uma evolução tecnológica? Mesmo que o orgânico não tenha evoluído tanto assim?

Seriam os novos dialetos normas cultas padrões daquilo que se fala, mas que jamais exprime suas ideias?

Por onde passou a ideologia, que hoje é defendida por status, mas não mais pelos ativismos concretos de rua e calçada?

Se a evolução carece de discernimentos, não quero evoluir. Careço desses tais costumes que me deprimem a cada soneto que escuto de vozes que não querem ser levadas a sério.
Não as levo, mas a triste realidade é que não possuímos fones de ouvidos eternos, e por isso nos submetemos as tristes vergonhas que eles escancaram como se tudo valesse a pena.
O constrangimento de cada dia é interno, os afogo em meu ser para a ocasião de que o único convidado em uma sala pequena e escura seja minha própria personalidade. 

E disserto... 

Eis aqui a dissertação de quem vos fala:

"Hoje sou filha de Thomas Hobbes. Tenho medo das pessoas, agonizo a cada ideia mal tida que eles insistem em ter. Não suporto suas razões tão fúteis e de pouco valor. Eles são a Inquisição e eu sou uma mera protestante. E pelo nome a coisa, quero protestar. Não quero estar neste século, que a penalização seja justa. Nos tornamos predadores de nós mesmos, mas hoje o vazio nas pessoas é mais predominante do que o próprio canibalismo social." 

segunda-feira, 25 de março de 2013

The secret of gray

Um passeio de carro é como um filme inédito. Todos os dias que as rodas percorrem o mesmo asfalto maltratado por tantos outros pneus gastados, o filme será diferente. 
Não importa que horas são ou como está a temperatura climática, as coisas mudam conforme o tempo passa, tudo voa, nada fica para trás, exceto a imagem que acabei de contemplar naquele dia.
Os horários pouco importam já que a sequencias dos fatos sempre podem se alterar, não existe regra e nem mesmo uma estatística capaz de calcular ou prever o que irei ver diante de meus olhos naquela outra manhã cinza.

Gosto das manhãs cinzas porque elas refletem o quão próximo da realidade o mundo se forma. A cor cinza me diz tanta coisa em tão pouco tempo. 
As vilas e favelas se tornam mais pobres e infelizes, a desordem de quintais com lixo acumulado mais preocupante, as árvores que balançam para um lado parecem cansadas de dançar obrigatoriamente. 

A tela transparente que me apresenta a realidade é fria e dura, como o mundo lá fora. Quando está frio, as crianças não estão nos parques brincando com seus balanços ou jogando futebol. As quadras ficam vazias quando não há nem mesmo mendigos para se aconchegar em algum canto com grama macia para deitar. 
Eles sempre escolhem as praças para que seus companheiros possam se juntar a eles, não há rivalidade e nem briga por território, se um deita e o outro não, o acordo não existe e outro paraíso é procurado.

Quando a aurora invade meus olhos cansados pelas poucas horas que estão trabalhando, vejo sempre um senhor de muita idade passeando com seu cachorro. Seu amigo é maior que ele, de pelagem longa e cinza. Embora seja cinza, sua cor não demonstra o mundo real que vejo pelo vidro. A monocromia de seus pelos revela que há muitos anos é bem tratado e que desconhece o mal do mundo. 

Que criatura formidável são os animais quando não imaginam a quantidade de tons que o mundo lhe apresenta de forma pouco cordial, são cores que te estapeiam sem sua permissão. O que há de errado em assistir um documentário real? 

Às vezes não sei se o que vejo é cinema ou teatro lá fora, sei que é uma arte que invade minhas entranhas, deixando-me com uma sensação de invalidez.
Quando um de seus protagonistas aparece, me pergunto se ele não tem um papel fundamental na cena. E é claro que tem, mas por mim ele não pode ser salvo. 

E isso me dói.

Já reprimi essas sensações diante da tela em terceira dimensão, é uma tentativa errônea, nunca podemos abandonar um espetáculo sem antes sentir que ali levamos um pouco deles e deixamos muito de nós.
Deixo meu ser em cada canto que os protagonistas pequeninos estão, quero confortá-los. 
Há manhãs tão gloriosas que o diretor me permite entrar dentro daquele cenário surreal, e então eu posso salvá-los de qualquer fim dramático que esteja escrito no roteiro. 

"Se moedas valessem a dignidade de vosso ser, pergunto: Quanto vales? Se preciso pagar-lhe um dote, por que não me diz o que está cobrando? As prateleiras mostram preços tão altos que não consigo imaginar o quão profundo precisa ser meu bolso para que eu compre um arranha céu. Para que quero alturas? Nas nuvens não posso tocar, na ponta das estrelas não posso me deitar, tampouco da lua posso me alimentar. O que me resta se não queimaduras do sol apresentar? Ou se de tão alto o vento me ferir? Não sei para que tanta altura nessa vida, se no fim todos nós caímos em um único chão." 



domingo, 24 de fevereiro de 2013

What you have in your pocket?


─ Case comigo.
─ Haha, você não fala isso de verdade.
─ Garanto que sim!
─ É, pensando bem eu não duvidaria. Só que tem um problema.
─ Você já é casado?
─ Não, não sou. O problema é que há mais pedidos.
─ Não importa os outros, deixe estar.
─ Você é mesmo uma garota muito bem humorada.
─ Não estou tentando ser engraçada, oras!
─ Eu sei que não, desculpe. Mas é que eu não estava mentindo quando mencionei outros pedidos.
─ Muitos?
─ Muitos.
─ Quantos?
─ Milhares.
─ Milhares?
─ Talvez um pouco menos, mas...bom quase isso.
─ Isso não muda muita coisa.
─ Ah, não? hahaha.
─ Não, oras.
─ E por que não?
─ Você só tem que escolher um. É como entrar numa loja de vinis, há centenas! Mas no fundo você sabe que só precisa de um.
─ Bem interessante essa comparação.
─ E então você me faria uma música.
─ Você quer uma música?
─ Toda garota sonha com uma música. Nem que seja ruim, mas feita para ela ou pelo menos tendo o nome dela.
─ Então quer dizer que você sonha com uma música?
─ Sua.
─ Ah!
─ Você me iguala a todas as outras, não é?
─ Não. Se eu fizesse isso, teria pedido para a segurança te tirar do meu portão agora.
─ ...C -c omo você sabe?
─ Eu estou na sacada.
─ Mas você só fica na sacada quando está compondo.
─ Quem te disse isso?
─ As revistas.
─ Hmm...
─ Você está compondo?
─ Estava.
─ OH MEU DEUS. E então?
─ E então o quê?
─ Como é? A música! Pelo amor de Deus, me diga.
─ Não está terminada ainda, mas... se eu precisasse de alguém 
Já entendi, estou te atrapalhando.

E George sorriu quando ela desligou o telefone.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

They can drink time

Eram mais ou menos seis da tarde. O sol estava lá em cima cobrindo areia e mar, mostrando quem era que deixava as luzes acesas do céu para que as crianças pudessem construir seus castelos de areia. Uma onda vinha e levava tudo. Era como uma lição. Tudo que foi construído com esforço e diversão, um dia será destruído pela natureza. É bom preparar os pequenos, pois os grandes parecem não se importar muito com os ensinamentos que as gerações futuras precisam.

─ Por que você só chega na praia tarde?
─ Tarde? Não é tarde para mim.
─ Mas já passou das cinco.
─ E daí? O horário de verão diz que ainda são cinco. E eu não estou na praia.
─ Estamos numa montanha com areia e água?
─ Não. Estamos no calçadão da praia. Onde as pessoas andam de bicicleta, paqueram e correm com seus animais de estimação.
─ E por que estamos aqui?
─ A areia machuca a minha pele. Tá, pode rir. É mesmo uma viadagem, mas foda-se. Eu não gosto de pisar na areia.
─ Nem sete ondas no mar?
─ Nem isso. Nadar em água, sal, urina e outras coisas que prefiro não lembrar...
─ Mas que fresca!

A brisa começara a ficar mais fria, o fim de tarde se aproximava. Havia pessoas juntando seus guarda sois que já estavam fechados há muito tempo. Não havia necessidade de usá-los, depois de um tempo o sol não queima tanto quanto o do meio dia e o das quatro horas.

─ Você não se queima nem com mormaço, né?
─ Não, eu gosto de manter as coisas iguais. Se eu quiser pegar cor momentânea, uso o tal do bronzer. Hoje a maquiagem te transforma em qualquer pessoa.
E por que você está de óculos de sol?
Porque meus óculos tem esse tom de marrom, mas as lentes são amareladas. E quando os uso, parece que filtro todas as imagens como se estivéssemos no passado. As fotografias de polaroids ou mesmo lomos, sabe? Elas tem aquela cor que hoje chamamos de filtro vintage. Mas é muito bom ver o movimento das pessoas.
─ É estranho isso, eu sempre penso que nos anos setenta, as imagens eram amarelas como nas fotografias.
─ Isso é normal! Quando eu assistia os filmes do Chaplin achava que tudo já foi branco e preto. Existe coisa mais absurda e genial? Imagine tudo com apenas duas cores!
─ Não seria triste?
─ Não, seria clássico...
─ Lembrei de outra coisa.
─ De quê?
─ Das feiras livres. Já pensou isso nos anos setenta? Se tudo fosse amarelo, nas fotos as frutas parecem tão mais saborosas.
─ Sim, dá essa sensação porque sabemos que elas não existem mais. A fotografia é tão divina que te possibilita imortalizar as coisas. É meio masoquista até, você sente saudades e vai lá e a coisa continua lá! Nunca irão inventar algo que faça as coisas saírem das fotos?
─ Não, se não as pessoas não iriam morrer mais.
─ É... no fim todos nós temos que morrer.
─ Dá tempo de tomarmos uma tequila?

"Na linha reta do horizonte os últimos raios de sol se despediam das pessoas. Alguns esperançosos que eles voltassem amanhã, outros com uma tristeza por terem de partir. A despedida da praia nunca será prazerosa, mesmo para aqueles que a frequentam somente durante o fim da tarde. Nenhum outro lugar te oferecerá a liberdade. São tantos grãos, gotas, conchas e seres... Somos nós e esse quadro vivo"