sábado, 24 de agosto de 2013

Ofélia

A água incolor que saia dos buracos do chuveiro grande e prateado que lhe caía pelos ombros tinha um único destino: o ralo. E ao chegar nele, havia adquirido um tom negro. Seu corpo parecia estar banhado em petróleo, mas tudo o que a cercava por dentro não tinha nenhuma ligação com fortuna. Muito pelo contrário, a palavra miserável era tão gritante em sua mente que ela a murmurou por várias vezes de forma silenciosa, mas de um modo que ela pudesse ouvir e saber que alguma coisa estava sendo colocada para fora além do peso de si mesma.
Observou a prateleira de cosméticos que usava nos cabelos, no canto reluzia uma gilete prateada. Por uma fração de segundos ela pensou... E suas unhas fizeram um corte imaginável em seu pulso. Primeiro no direito, depois no esquerdo. A espuma em seus braços ao seu ver deveria ter sido manchada por vermelho, mas ainda continuava branca. Com os olhos fixos na lâmina, ela se cortava mentalmente.

Quando desligou o chuveiro e se enrolou em uma toalha preta, abriu a porta do box e se olhou no espelho. Atrás ela havia um homem muito alto, com o cabelo preto e pele branquíssima. Ela pensou em gritar, pela mesma fração de segundos que havia pensado ao observar a lâmina no canto da prateleira. Mas dentro de si, sabia que o seu desejo de não ser nada poderia ser atendido.
Virou de frente para ele, que balançava a cabeça de forma negativa.

─ O que é?
─ Eu não posso matar você.
─ Você lê pensamentos?
─ Não... Mas o seu desejo é bem nítido.
─ De onde você veio?
─ Não vai adiantar eu te explicar, você é cética demais.
─ Hm... ok, senhor Deus.
─ Eu não sou Deus.
─ O que você é?
─ Eu sou um gênio.
─ Que arrogante.
─ Não esse tipo de gênio, o outro tipo.
─ Aquele que sai da lâmpada?
─ É.
─ E onde está a porra da tua lâmpada?
─ Não usamos mais faz tempo. 
─ Então não é gênio de lâmpada.
─ Sou.
─ Tá, tanto faz.
─ Você tem três desejos.
─ Por que diabos você veio?
─ Porque você está muito frágil. Está triste. E não é para ficar. Amanhã é um dia muito especial.
─ A puta que te pariu que é.
─ Não seja grossa, minha menina.
─ Eu não sou sua menina.
─ Você está muito triste. Ouve músicas tristes, assiste filmes tristes, lê coisas tristes, observa fotografias tristes. Você está ficando cada vez pior.
─ Se você estivesse em meu lugar, saberia o motivo.
─ Eu sei.
─ Você pode arrumar a minha vida?
─ Não.
─ Hm... você pode me deixar em coma?
─ Em coma?
─ É.
─ Eu não posso fazer mal a ser humano algum.
─ Não irá fazer mal, apenas me deixará em coma.
─ Te deixando em coma não lhe fará bem.
─ Ah, fará...
─ O que planeja?
─ Me atropele.
─ Eu não posso.
─ Caralho, não sabe dirigir?
─ Sei...
─ Não tapetes, carros.
─ Também sei.
─ Então qual é o problema?
─ O problema é que quando você acordar, será muito pior.
─ Tem razão...
─ Você não quer outra coisa? Livros, coisas materiais?
─ Não... Você pode me dar uma máquina do tempo?
─ Não posso te levar para outra dimensão.
─ Mas que caralho de gênio você é?
─ Menina... eu simplesmente não posso. Eu queria, mas não posso.
─ Você é meu anjo da guarda?
─ Não, eu já disse. Eu sou um gênio.
─ Você... pode trazer uma pessoa morta de volta?
─ Não posso. E sei quem gostaria que eu trouxesse. 
─ Eu não quero nada. Por que as pessoas insistem em querer me dar alguma coisa que eu não quero? É tão simples. Eu NÃO QUERO NADA!
─ Menina...

Ela pensou por alguns minutos. Eram muito escassos os desejos. Não poderia morrer, não poderia ver os mortos, não poderia voltar ao passado para salvar algumas pessoas de destinos terríveis. O que ela poderia querer? Ela não poderia... morrer.

─ Me apague.
─ Como?
─ Me apague da memória de quem me faz mal.
─ Mas... são muitas pessoas, menina.
─ Por que acha que você veio? Acha que eu estou chateada por que existe um homem que não quer ficar comigo? Me apague.
─ Mas...
─ Me tire deles.
─ E os outros que estão ligados a ti e que nunca te fizeram mal?
─ Me apague da memória deles também. 
─ E seus amigos?
─ Deixe como está. Um deles vai entender. Ele sempre entende.
─ E o que você vai fazer sozinha?
─ Eu serei livre.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Metaphor and the hill


E se de repente eu inventasse uma cor que representasse
os seus olhos quando acordaste a primeira vez em toda a vida?
Talvez a partir dessa, outra cor de formaria com o teu despertar
durante todas as manhãs.

Seria minha imaginação tão fértil a ponto de criar uma textura
idêntica a tua derme?
Minhas narinas já me enganaram quando foram até as
montanhas e confundiram seu perfume com as araucárias.

Em aulas de botânica, poderia sentir todos os cheiros ao
vê-las ilustradas em fotografias minimizadas.
Pena que não posso engarrafar tal essência alucinógena.

Queria ter uma caneta tinteiro para tatuar a sua pele
por algumas semanas, borrar alguns desenhos por dentro,
dos quais você pudesse ver quando sentisse minha falta.