segunda-feira, 25 de março de 2013

The secret of gray

Um passeio de carro é como um filme inédito. Todos os dias que as rodas percorrem o mesmo asfalto maltratado por tantos outros pneus gastados, o filme será diferente. 
Não importa que horas são ou como está a temperatura climática, as coisas mudam conforme o tempo passa, tudo voa, nada fica para trás, exceto a imagem que acabei de contemplar naquele dia.
Os horários pouco importam já que a sequencias dos fatos sempre podem se alterar, não existe regra e nem mesmo uma estatística capaz de calcular ou prever o que irei ver diante de meus olhos naquela outra manhã cinza.

Gosto das manhãs cinzas porque elas refletem o quão próximo da realidade o mundo se forma. A cor cinza me diz tanta coisa em tão pouco tempo. 
As vilas e favelas se tornam mais pobres e infelizes, a desordem de quintais com lixo acumulado mais preocupante, as árvores que balançam para um lado parecem cansadas de dançar obrigatoriamente. 

A tela transparente que me apresenta a realidade é fria e dura, como o mundo lá fora. Quando está frio, as crianças não estão nos parques brincando com seus balanços ou jogando futebol. As quadras ficam vazias quando não há nem mesmo mendigos para se aconchegar em algum canto com grama macia para deitar. 
Eles sempre escolhem as praças para que seus companheiros possam se juntar a eles, não há rivalidade e nem briga por território, se um deita e o outro não, o acordo não existe e outro paraíso é procurado.

Quando a aurora invade meus olhos cansados pelas poucas horas que estão trabalhando, vejo sempre um senhor de muita idade passeando com seu cachorro. Seu amigo é maior que ele, de pelagem longa e cinza. Embora seja cinza, sua cor não demonstra o mundo real que vejo pelo vidro. A monocromia de seus pelos revela que há muitos anos é bem tratado e que desconhece o mal do mundo. 

Que criatura formidável são os animais quando não imaginam a quantidade de tons que o mundo lhe apresenta de forma pouco cordial, são cores que te estapeiam sem sua permissão. O que há de errado em assistir um documentário real? 

Às vezes não sei se o que vejo é cinema ou teatro lá fora, sei que é uma arte que invade minhas entranhas, deixando-me com uma sensação de invalidez.
Quando um de seus protagonistas aparece, me pergunto se ele não tem um papel fundamental na cena. E é claro que tem, mas por mim ele não pode ser salvo. 

E isso me dói.

Já reprimi essas sensações diante da tela em terceira dimensão, é uma tentativa errônea, nunca podemos abandonar um espetáculo sem antes sentir que ali levamos um pouco deles e deixamos muito de nós.
Deixo meu ser em cada canto que os protagonistas pequeninos estão, quero confortá-los. 
Há manhãs tão gloriosas que o diretor me permite entrar dentro daquele cenário surreal, e então eu posso salvá-los de qualquer fim dramático que esteja escrito no roteiro. 

"Se moedas valessem a dignidade de vosso ser, pergunto: Quanto vales? Se preciso pagar-lhe um dote, por que não me diz o que está cobrando? As prateleiras mostram preços tão altos que não consigo imaginar o quão profundo precisa ser meu bolso para que eu compre um arranha céu. Para que quero alturas? Nas nuvens não posso tocar, na ponta das estrelas não posso me deitar, tampouco da lua posso me alimentar. O que me resta se não queimaduras do sol apresentar? Ou se de tão alto o vento me ferir? Não sei para que tanta altura nessa vida, se no fim todos nós caímos em um único chão."