quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Can you see my soul?

Mudar. Metamorfose. Sinônimos que intrigam as pessoas. Essas tem medo de qualquer tipo de mudança. Adolescentes permanecem apavorados quando o motor do caminhão é ligado, e seus destinos estão literalmente na gasolina. A gasolina tem um cheiro forte, carrega as lembranças deixando poeira para trás, deixa as mágoas, as festas e a infância. Não há volta. E quando o tempo passa, o que resta? Outro caminhão, este menor, pois suas coisas estão com quem tem de guardá-las, e você é deixado em algum lugar que possui uma cobertura.
Como um glacê, mas o recheio é a morte. Você está lá para morrer, ninguém mais quer saber de fios ligados, de comidas diferentes ou de suas palavras sem sentido algum, eles querem paz e conseqüentemente acham que você também precisa dela.

A paz tem que ser solitária? Tem que andar ao lado da saudade que arde no peito como as chamas de um incêndio? As cinzas entram dentro de seus pulmões, começam a deixá-los mais doentes, te dá prazer e te mata. Assim como o veneno que te embriaga nas noites em que as pessoas de branco não estão por perto. É isso que vai te acontecer. Está sujeito ao destino... O destino que... que... Merda.

Parou. E assim que o fez, a dor em seus dedos pesou-lhe muito. Estava à quatro horas escrevendo sem pausa, o movimento repetitivo o fez sentir agulhas em seus dedos. Era a pior sensação que seu corpo lhe presenteava, não podia controlar. Tinha que obedecê-lo, e se continuasse, a dor aumentaria constantemente.
Seus olhos cansados e vermelhos calculariam quantas noites mal dormidas ele havia tido. As pálpebras já não eram como antes, no tempo em que tudo era novidade. Agora estavam mais caídas, caíam conforme o tempo passava.

Agradeceu à sabe-se lá quem por ter sua personalidade. Isso não mudava. Nunca. E se mudasse, já teria cometido um suicídio da maneira mais rápida, com a certeza de que seria levado para a escuridão, preferia isto a não ter os próprios pensamentos em ordem. Era questão de honra.

Nunca repetia, sentia falta de algumas das que mais gostou. Conformava-se por não voltarem mais, era rotina. Seus cabelos estavam loiros, um dourado bonito, na altura dos ombros. O rosto bem mais masculino, traços de quem tinha vinte e poucos anos. Era alto, pele bronzeada, isso sim era estranho. Pois não havia ido para o litoral do país recentemente. Mas aquele outro rapaz fora...
Tomou um último gole de sua cerveja, mesmo que já estivesse quente era o que mais queria. A quantidade de álcool em seu organismo estava mais para aceitar os fatos do que pelo prazer de estar mais atento.

Cobriu-se com os lençóis, o tecido com noventa por cento de algodão estava frio, frio como os seus pensamentos perante a situação. Todas as noites mal dormidas resultavam em dias em que sua casa transformava-se em prisão. Seu ar era mais do que fantasmagórico, irreal.
E mesmo que a madrugada fosse sua pior inimiga, ele continuava a amá-la. Não somos obrigados a amar somente os amigos. Amor e ódio, ódio e amor. Remédio ou veneno? Ambos irão provocar dor.

O silêncio da calada da noite afundava-lhe a mente, mergulhava seu corpo nas águas escuras que sugavam seus traços. A aparência começara a ser modificada, os cabelos encolheram, o pigmento dos fios alterou-se. O rosto quadrado deixou de aparentar alguns anos, as marcas foram substituídas por uma pele lisa.
E agora parecia flocos de neve, sentiu frio. Puxou os lençóis para aquecer o corpo, assim que o fez, o branco do tecido penetrou em sua pele, nas camadas mais interiores que estavam diferentes. Menos alto, mãos mais jovens, dentes menos sujos... E a claridade chega.

O canto dos pássaros avisa que é hora de encarar a vida de frente, que parte do mundo acordou enquanto a outra vai dormir. Assim como o ciclo da vida, olhar-se ao espelho era um desafio.
E hoje, ao abrir os olhos, apenas levantou-se um pouco. De frente para à cama havia um espelho que preenchia toda a parede.
Cabelos cacheados, um pouco cheios na altura da nuca. Eram negros assim como as sobrancelhas. Vestígios de barba começavam a nascer.

Tudo diferente...

Menos as íris. As malditas íris que nunca mudavam. Poderiam ser normais, não é? Chega de ser o bicho que ninguém conhecia. Estava exausto daquilo, não podia simplesmente mudar? E quanto esforço fez... Ninguém sabia, mas ganhara dores fortíssimas de cabeça de tanto tentar mudar o que nunca conseguira.
Não poderia ter amigos que durassem mais do que um dia. Sua família morreu acreditando que ele estivera morto e que alguém viesse brincar com isso.

─ Mãe. Eles me deixaram ir.
─ Quem é você?
─ Mãe, sou eu.
─ Pare de me chamar de mãe.
─ Mas mãe...
─ VOCÊ NÃO É MEU FILHO! SUMA DAQUI!

Abandonado. Como um cachorro que envelhecera. Novamente jogado em algum lugar para esperar a morte.
Ele não estava velho, estava? Não... Tudo fora deixado para trás.
A vida deixou de ser a mesma, o começo de tudo era desconhecido. A causa nunca fora encontrada, a cura jamais mencionada. Era uma doença? Quem iria acreditar nele? Quem não o declararia insano? A insanidade desde já pode ser considerada normal. Somos tão insanos...





"Vagou por tantos lugares, deixou de ver as pessoas que mais amou, 

lutou contra quem disse que era louco. 
Em pouco tempo concordou. 
Estava louco, seu corpo era o frasco 
do veneno que tinha dentro de si. 
Maldição? Talvez.
Desejo? Jamais. Ele era ele,
o espelho discordava. Quem
não pensou nele todos os dias?
Ninguém. Onde está o garoto
misterioso? Ele vaga sem
rumo, sem vincos e sem
faces. Muda tanto que
hoje em dia, a dor
não incomoda tanto.
É apenas dor."