sábado, 21 de dezembro de 2013

Would you send me a letter every year?

Há algumas datas que os seres humanos decidem riscar de seu calendário pessoal. Colocam tais datas na categoria trinta de fevereiro. Dias inexistentes que não servem para nada, que não serão somados naquela retrospectiva idiota de final de ano. Alguns dos dias que riscam geralmente estão no patamar de datas indesejadas. Riscar dias de falecimentos de parentes, de aniversários de quem nos magoou muito, ( Riscara o de Yoko por alguns anos) riscar datas comemorativas como o Natal e o Ano novo. Mas não o levem a mal. Santa Klaus também gostava de sua banda, ou deveria. Acabou riscando finais de ano por Linda, ela detestava a matança em massa que o dia de Ação de Graças, o Natal e o Ano novo proporcionava para os animais.

Acabou pensando tudo isso enquanto a água quente descia do chuveiro, o banheiro todo possuía um aspecto de sauna. Quente feito aquelas viagens que George adorava fazer até a Índia. Viajar com os elefantes tinha seu preço, afinal. Mas ele não ligava, era como terapia. E se George estava feliz, Paul também estava. Após se despedir das últimas gotículas de água quente que tocaram sua pele, desligou o chuveiro, se enrolando na toalha da cintura para baixo. Pisou no tapete anti derrapante, (quando os ossos já não colam com tanta facilidade, é sinal de que devemos nos cuidar mais. É por esse maldito tapete que ele sabe que o tempo não para de correr) secando os cabelos rebeldes que teimavam em cair molhados em seu rosto. O espelho do armário a sua frente estava embaçado, coisa que o fez lembrar de alguns filmes que vira semana passada em que um grande assassino seria refletido assim que alguém passasse a mão sobre ele.  Porém, decidiu abri-lo antes e escovar os dentes. Depois de terminar e finalmente fechar a porta, seus olhos focaram-se perplexos diante do espelho.

Não havia nenhum assassino refletido, sequer havia desembaçado a superfície. O que estava contemplando era algumas palavras escritas a dedo. Como nos dias em que escrevemos palavras e desenhos nas janelas de carros em dias de chuva. Ali estava a letra a mão de John, com um humor que só ele tinha.

"Piso anti derrapante? Você está velho, meu amigo"

Não respondeu de imediato, não tinha como. Sentia a visão embaçada, mas sabia que aquilo era um sintoma e não mera contemplação daquela sauna, o vapor já havia se dissipado muito. Fechou os olhos e buscou na memória que dia seria aquele. Estavam em outubro... sabia, pois no dia primeiro cancelara uma aparição em algum programa que agora não se lembrara. Sempre seria difícil viver trinta e um dias de agonia. Novembro pelo menos era um mês de calmaria para sua sanidade mental. Que detestável eram aqueles dias em que não podia se trancar em um estúdio e tocar Here today por pelo menos vinte e quatro horas sem pausa. Lembrou-se de Ringo xingando ao final de Revolution, ele deveria saber a sensação de tocar algo por vezes seguidas. Mas a única diferença era que Ringo tocara por necessidade, e Paul por tristeza e saudade.

 Antes que tua derme encostasse no vidro prateado, outras palavras se formaram, um pouco menores que as outras. Deveria escrever grande na primeira vez para que não passassem despercebidas, afinal de contas ninguém espera esse tipo de conversa a menos que se tenha muita imaginação.

"Gosto desse dia porque é quando você toca de forma pura. Eu estarei cantando com você ao lado do piano. Sabe de que lado... "


Apressou-se em se trocar, saindo do banheiro as pressas. Ainda com o cabelo pingando, sentou-se em um banquinho, deixando espaço para que John se sentasse. Teclou as primeiras notas, tendo a certeza de que o vento da janela possuía uma voz singular, a voz dele....