quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Death's blow

Em meio ao deleite profundo de seu sono pesado, jazia seu corpo na cama de lençóis brancos. Talvez fossem de mil fios egípcios ou até mesmo de nenhum. A expiração quente que aquecia parcialmente parte de seu colo foi acelerando aos poucos, saindo de seu estado de paz até a dura realidade.
Sua íris tinha uma coloração semelhante ao mel, porém, não tão enjoativa quanto o resultado de um trabalho árduo das abelhas. Seus dedos fecharam-se nos lençóis macios, quase sem força. Jamais acordava com força, isso nunca acontecia e hoje não seria diferente.
Procurou seus chinelos na cama ao sentar-se na beirada, mas não os encontrou. Onde estariam?

Pouco importa.

O chumbo que presenciava sua cabeça, agora doía. Mas nada como um analgésico para melhorar o dia. De perna em perna, direcionou-se para a porta.

"Track."

Girou a maçaneta, nada aconteceu.

"Track" 

E nada. A chave não estava na fechadura, não havia ninguém em casa. Morava sozinha, onde ela poderia estar? Objeto traiçoeiro que vinga todos os amantes negados.
Locais fechados a deixavam desconfortável, um início de claustrofobia? Quem sabe? Ainda estava escuro lá fora devido ao repugnante horário de verão. A figura de uma jovem cansada fora refletida no espelho de moldura medieval dourada, mas a imagem não lhe surtiu tanto efeito. Sentia-se assim mesmo, cansada.
Dobrou os joelhos e abaixou-se para olhar abaixo de sua cama, talvez a chave tivesse ido parar lá, por algum acaso dessa vida.

Não estava.

Uma leve dormência alcançou suas costas, fazendo com que a espinha dorsal não trabalhasse por alguns segundos. Ela então repousou as pernas abaixo da cama, apoiando os braços no colchão. Quando seus olhos direcionaram-se para a porta na esperança ridícula de que a chave estivesse lá, gelou.

A figura de um homem estava parada diante de si.

De estatura alta, pele branca, vestes negras e cartola, ele sorri. Revelou dentes perfeitos semelhantes à sua cor.

─ Quê faz aqui?
─ Não tens o direito de perguntar isso, mas se és atrevida para fazê-lo, deverei lhe questionar algo.
─ Saia já daqui. Eu vou chamar a polícia.

Mas quando virou o pescoço para procurar o telefone, não o encontrou. Teria tido o mesmo destino de sua chave?

─ Sempre assim, essas novatas... Como se chama?
─ Olha moço, é sério. Destranca essa porta.
─ Para quê?
─ Eu quero sair daqui.
─ Mas não pode.
─ Claro que posso.
─ Não, você não pode.
─ Prove que não.

O homem levou a mão ao bolso interno de suas vestes, retirando de lá a pequena chave cor de cobre que ela tanto procurava. Deu alguns poucos passos para trás, sem dar as costas à ela. Colocou-a no buraco da fechadura e assim que girou-a, o eco do trinco destravado soou no quarto. Quando abriu a porta, os olhos da jovem foram tomados por pavor.
Havia outra porta, idêntica à de seu quarto encarando-a.

─ Mas o quê? Abra!

Como um robô, o homem repetiu o processo. E outra porta apareceu.

─ Isso é algum tipo de brincadeira?
─ Não, não é.
─ Por que não me deixa sair?
─ Não sou eu quem não a deixa.

Ainda com metade do corpo no chão, abaixo da cama e de braços apoiados no colchão sentiu-se vulnerável. Um sentimento que se misturava a angústia de que estava se atrasando para algo, qualquer coisa que fosse. Levantou-se de supetão, abrindo as cortinas. Essas abriram normalmente, acalmando seu coração que já esperava por tecidos materializados do nada. Mas quando abriu a janela, outra a encarava.

E outra. E outra. E outra. E outra. E outra...

O homem havia sumido, mas deixara a chave no trinco. Correu até ela, tropeçando ao pé da cama, onde bateu o joelho direito com força.

─ Porra!

Girou a maçaneta,  mas outra porta a encarava.

E outra. E outra. E outra. E outra. E outra...


"Quando eu lhe disse que haveria algum tipo de luz em sua vida, nunca quis dizer que seria aquela luz onde todos dormem. Era aquele fiasco de raio de sol que atravessa nossas cortinas. Aquele abajur que está para queimar, aquela luz colorida natalina que você tanto adora. Por algum tempo você dormiu no escuro, mas em outros tempos havia claridade para lhe acompanhar. Pergunto-me se alguém está segurando algum tipo de vela neste quarto escuro, pois você o teme. Eu sei disso. mas não há nenhuma possibilidade de que a luz dos teus olhos ilumine este lugar?" 

Nenhum comentário:

Postar um comentário